terça-feira, 9 de abril de 2013

Peça Teatral "O Pagador de Promessas" 1º Ato


Primeiro ATO: Primeiro quadro.
A primeira cena da peça teatral inicia-se às quatro horas e trinta minutos. Ainda não havia amanhecido na cidade de Salvador e o casal Zé do Burro e sua esposa Rosa, chegam a frente à igreja de Santa Bárbara. Saíram às cinco da manhã do interior baiano e caminharam sete léguas até que chegam à igreja um pouco antes desse horário. Zé do Burro era um homem muito simples, proprietário rural de um pequeno pedaço de terra no interior do nordeste, donde tirava o sustento de sua família e possuía um burro, o Nicolau por quem tinha muito apego e que acreditava que tinha “alma de gente”. Uma fatalidade mudou o rumo de sua vida: um dia o burro foi atingido por uma queda de uma árvore, em virtude de um raio, deixando-o gravemente ferido. Zé do Burro desesperado ante essa situação, fez uma promessa à Santa Bárbara: caso seu burro se recuperasse, ele dividiria suas terras entre os necessitados e carregaria uma cruz tão pesada como a de Jesus até a igreja da Santa. Como em sua cidade não havia a respectiva igreja, fez a promessa em um terreiro de candomblé, onde ela é conhecida pelo nome de Iansã. Seu burro se recupera e assim, ele e sua esposa, partem em via crucis para cumprir o prometido e oferecer ao padre responsável pela referida igreja, à sua cruz.
 
(Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa. (Rosa pára também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.)
Rosa — E agora? Está fechada.
— É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
Rosa — Esperar? Aqui?
— Não tem outro jeito.
Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com cada bolha d’água no pé que dá medo.
— Eu também. (Contorce-se de dor. Despe uma das mangas do paletó.) Acho que os meus ombros estão em carne viva.
Rosa — Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.
— (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinha.
Rosa — Então: se você não falou, podia ter botado; a Santa não ia dizer nada.
— Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas.
Rosa — Não usou porque não deixaram.
— Não, esse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé do Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.
Rosa — Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois dessa? Já não chega?
— Sei não ... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia. (Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à procura de uma inscrição.)
Rosa — Que é que você está procurando?
— Qualquer coisa escrita, pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara.
Rosa — E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?
— É que pode não ser essa...
Rosa — Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena, numa praça, perto duma ladeira...
— (Corre os olhos em volta.) Se a gente pudesse perguntar a alguém...
Rosa — Essa hora está todo mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva.) Todo o mundo ... menos eu, que tive a infelicidade de me casar com um pagador de promessas. (Levanta-se e procura convencê-lo.) Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia ir procurar um lugar para dormir. Você já pensou que beleza agora uma cama? ...
— E a cruz?
Rosa — Você deixava a cruz aí e amanha, de dia ...
— Podem roubar ...
Rosa — Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?
— Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter quase cumprido a promessa. E você já pensou: se me roubassem a cruz, eu ia ter que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas.
Rosa — Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer questão.
 
 
Responda às questões abaixo:
 


a. Zé do Burro vive em um mundo mágico, em que se acredita no que não é real. Para ele havia limites entre o céu e a terra? Justifique sua resposta.

b. Ser submisso é gostar de ser dominado, ser escravo. Em sua opinião, Rosa era submissa a Zé do Burro ou o acompanhava em sua peregrinação por amor?

c. Há mais submissão das mulheres no meio rural ou no meio urbano? Por quê?

d. A religiosidade de Zé do Burro demonstra amor ou temor a Deus? Justifique.

e. O que você pensa a respeito do fato de algumas religiões incentivar o sacrifício dos fiéis na terra para alcançar o céu? Explique.

f. O texto teatral escrito apresenta alguns tipos de letras diferentes, em geral em itálico, que são chamados rubricas.

Observe:

Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com cada bolha d’água no pé que dá medo. Discuta com seus colegas e responda: qual é a função das rubricas nesse tipo de texto?